No outro dia perguntaram-me, naquele tom de quem pergunta a data de nascimento, que é uma coisa certa e não muda nunca (com exceção dos que nascem num dia e são registados noutro e mesmo assim a data do registo é que conta): "profissão". Hesitei. Repetiu: "A sua profissão".
Naquela fracção de segundos, de silêncio e sem palavras, apeteceu-me responder: "Não sei, depende do que quer dizer com profissão".
E apercebi-me que esta pergunta não faz sentido. Já não faz há algum tempo, desde que deixei o terreno como palco principal e voltei à academia. Aí, a identidade profissional foi abalada. Depois veio a Ordem dos psicólogos, e como sou membro efetivo, achei que isso re-confirmava a minha identidade como psicóloga. Mais ou menos. Nem por isso.
Se me perguntarem: "Situação profissional atual" ou "área de atuação actual", isso eu sou capaz. Mas a profissão, aquela coisa certa, prolongada no tempo, marca de identidade, vinculada, estável, resultado de um canudo e/ou de largos anos de atividade profissional, isso não faz sentido. Para mim não. E imagino que para muitos como eu, também não.
Continuo a dizer que sou psicóloga, que é o que o certificado de curso me permite afirmar. E sou. Mas também sou outras coisas. Sou muitas outras coisas. Sou professora, sou investigadora, sou psicóloga. E além dos "títulos", faço muito mais coisas.
Também podemos definir a profissão pelo vínculo laboral que se tem. Mas isso traz outras (in) definições. "Sou professora". Olham para mim e acham que acabei de sair do curso e estou numa escola de 1.º ciclo a dar aulas. Ou no secundário. De português ou matemática. E é o problema de ser professor, generaliza-se logo. Podia ser. Não sou. "Sou psicóloga". Nem vale a pena comentar os comentários que se fazem a seguir, ou as meras deduções implícitas transmitidas através daquele olhar diagonal. Podia ser. Mas assim, não sou. E por aí em diante.
E isto se houver vínculo profissional, que é uma coisa certa, que te permite dizer algo certo. Nem sempre. Fui investigadora durante os anos em que fiz o doutoramento. "Sou investigadora". Não. Fui bolseira de investigação. Estudante. "Coitada, continua a estudar, nunca mais arranja um trabalho". Lá se vai a identidade profissional e com ela, a resposta à pergunta: "Profissão". O problema cresce quando não há um vínculo daqueles certos. É o canudo que dita a resposta? E o resto das coisas que se foram fazendo, bem à moda de um mundo profissional atual e respondendo às suas exigências onde se reclama flexibilidade, adaptabilidade, transversalidade, multi-competências,variedade, especialidades, especificidades e coisas afins??? E depois perguntam: Profissão?!
Vou inventar um título! Um que sirva para tudo. Mesmo que não diga nada. Em inglês, que dá mais pinta e ninguém questiona. Mas depois não entra na lista das atividades profissionais da segurança social ou das finanças e pronto, lá se arranja outro problema.
Profissão: não tenho. Faço coisas. Muitas coisas. Aprendi muitas coisas. Exerço muitas coisas das que aprendi. Sou moderna, faço parte do mundo contemporâneo. Inventem outra palavra que "profissão" está démodé!
Não sabia que tinhas este blogue! Li este texto teu e revejo-me TANTO nas tuas palavras!! Inventem outra palavra que "profissão" está démodé!! Não podia concordar mais :) Beijinho!!
ResponderEliminaroh, apanhaste-me ;) beijinho
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